Ela chegou à casa na qual trabalhava como empregada e logo
notou algo estranho no chão: um pó amadeirado. Provavelmente eram cupins.
Pensou que deveria avisar o patrão, mas nunca o encontrava. Quando chegava
entrava com a chave que possuía, pois ele já havia saído. Ia embora antes dele
voltar da empresa. Poucas vezes o via, e achava que ele deveria ter algum
problema, sempre distraído com algum aparelho eletrônico.
Talvez fora isso que acabara com o casamento do patrão. A
antiga esposa era do lar, uma criatura muito simpática e atenciosa, por quem a
empregada se afeiçoara. Eram constantes as reclamações da esposa de que o
marido não lhe dava atenção, que era ausente mesmo quando presente. Pouco mais
de seis meses, o casal se separou.
A empregada sentiu muito pela separação, também por seus
próprios motivos: a casa vazia a incomodava, não tinha com quem conversar.
Imaginava que era por isso que o patrão vivia com algum aparelho em mão, devia
estar desesperado por alguma conexão. Deixou um bilhete avisando dos cupins.
Poucos dias depois, a empregada, enquanto limpava a cozinha,
deparou-se com uma pequena casca de madeira na cadeira. Olhou para cima e para
os lados, mas só encontrou mármore. Não havia plantas na casa.
Alguns dias depois, acabou por encontrar o patrão quando
chegava para trabalhar. O olhar dele demonstrava espanto e ansiedade. Ela disse
“bom dia”, ao que ele respondeu com um lento aceno de cabeça, e ela ouviu um
galho se mexendo. Ele saiu rapidamente enquanto tossia forte. Na sala ela
encontrou um bilhete: o patrão pedia que ela não entrasse mais no quarto dele e
que a porta permaneceria trancada. Não havia explicação do porquê.
A empregada não teve tempo para ficar curiosa a respeito do
teor do bilhete, pois enquanto o manuseava, um pequeno pedaço de madeira
perfurou-lhe o dedo e ela logo procurou um curativo, esquecendo as esquisitices
do patrão.
Quando chegou ao banheiro, deparou-se com uma cena
inusitada: a pia estava coberta de folhas de árvore. Pequenas folhas, muito verdes
e com manchas avermelhadas em cima. A empregada pegou uma para examinar. Levou
uma folha para perto dos olhos, cheirando e observando bem. Quando percebeu do
que se tratava, solto um grito. Era sangue.
O desespero a tomou. Há pouco tempo havia visto na televisão
uma reportagem sobre assassinos seriais, e a reclusão de seu patrão a assustava
mais do que nunca. Enquanto ia para a sala, deparou com a porta do quarto do
patrão fechada. A curiosidade e o medo tomaram-na e ela tentou adentrar o
quarto, sem sucesso. Mas ouviu um barulho lá dentro. Um barulho inumano.
Passando mal, quis sair rapidamente da casa do patrão. Não
sabia o que estava acontecendo, mas não era algo bom. Escreveu um bilhete
qualquer pedindo demissão e lançou-se porta afora. No corredor, encontrou outra
daquelas curiosas folhas no chão, exatamente onde o patrão havia estado antes
de partir. Não olhou para trás enquanto correu.
Dias depois ainda não havia recebido o pagamento, mas também
não tinha coragem de cobrar o ex-patrão. Tentara o contato telefônico, mas ele
não atendia. E-mails não eram respondidos. Ela achou estranho, já que ele não
desgrudava de uma tela e trabalhava com informática. Uma das amigas da
empregada a convenceu a ir até a casa do ex-patrão acompanhada. As duas chegaram
e bateram várias vezes, sem resposta. Chamaram o síndico do prédio para
informações e ele afirmou que não via o homem há alguns dias e, portanto, iria
abrir a porta e ver o que acontecia.
Ao abrir o apartamento, nada notaram de estranho: estava
tudo no lugar, não havia sinais de que alguém passara por ali. As cortinas da
sala estavam fechadas, deixando o lugar escuro. Havia somente uma luz azulada,
vinda do vão da porta do quarto do homem. Silenciosamente, os três chegaram
perto e abriram lentamente a porta e logo se arrependeram. O quarto fedia a
madeira e morte.
Lá dentro, encontraram um enorme tronco que possuía ainda
algum formato humano, mas seus galhos e ramificações retorcidos e esticados
tomavam todo o lugar. De toda a madeira pingava sangue. Havia água e folhas
espalhadas pelo chão, muitas pendiam do que antes deveria ser uma cabeça. Os
galhos que antes eram mãos e olhos juntavam-se ao monitor de computador,
atravessando a tela que, mesmo quebrada, ainda emitia luz. A empregada chegou
perto do que fora o rosto de seu patrão e viu um pequeno filete de água
escorrendo pelo que deveriam ter sido os olhos dele. Não sabia se ele chorara
pelo que se transformara ou por finalmente ter se conectado a algo.
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