Contos

Realidades da mente imaginária

Cotidiano

O dia-a-dia reimaginado

Portifólio

Amostras de meus trabalhos profissionais

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27.6.14

Melancolia

arte de Leslie Ann O'Dell

- Todo mundo preenche o coração com alguma coisa.
- Então nós somos tão vazios que precisamos nos entupir com algo?
- Não e sim. O vazio também preenche.
- Isso não faz o menor sentido.
- Claro que faz. Isso considerando que emoções fazem sentido. Você vê pessoas tentando se preencher o tempo todo. Com dinheiro, status, amor, mas principalmente coisas e pessoas. Somos acumuladores de coisas.
- Mas preencher de amor não é algo bom?
- Seria, se fosse a maioria. Mas não é. E às vezes, o amor não é para outra pessoa, mas para si, ou para odiar alguém.
- Como?
- Quando alguém ama odiar, ou simplesmente ferir.
- Ah..
Silêncio.
- E você, preenche com o quê?
- Com o Vazio.
- Como você pode preencher algo com o nada?
- Da mesma forma que os outros preenchem com coisas.
- Mas isso é tão... triste.
- De vez em quando o vazio abre espaço pra dor e tristeza. Lágrimas salgadas. Mas elas passam e o vazio volta a me consolar. É como um abraço frio, mas você já está acostumado, então é acolhedor. É algo que você conhece e entende. É algo que sempre vai estar lá. Todos os outros preenchimentos podem ir embora, e sempre deixam o vazio. Então eu prefiro me preencher só com o Vazio.
- Isso não é muito corajoso.
- É tão corajoso quanto se arriscar na felicidade. É preciso coragem para suportar a dor constante. Então eu escolho tentar suprimir tudo. Não vou mentir e dizer que contigo. Às vezes a felicidade vem. Ela e seu calor estranho. Mas quando penso em me acostumar, ela desaparece tão rápida quanto veio, deixando tudo repentinamente frio. Daí vêm as lágrimas. E quando elas se vão, o vazio.

25.11.12

As desventuras do Sr. Cogumelo: O Espelho


O Sr. Cogumelo levantou-se cedo naquele dia. Eram seis da manhã e ele precisava ir trabalhar. Tomou café e um banho rápido e então fez a rotina de sempre: foi até o único espelho da casa e passou cremes, diversos cremes. Como um pintor detalhista, ele se olhava de todos os ângulos, buscando a perfeição, não deixando de lado nem o bigode.

Os conhecidos do Sr. Cogumelo obviamente não sabiam que ele usava maquiagem, e nem deveriam. Era para a segurança do Sr. Cogumelo. Se o vissem sem, o deixariam de lado, talvez até corressem dele. Alguém poderia ajudá-lo, mas ele não sabia qual era o problema de seu rosto. E nunca iria a um médico descobrir.

O Sr. Cogumelo ia a pé para o trabalho, de tão perto que era. Alguns quarteirões e estava lá. Antes passava por uma cafeteria. Cumprimentava todas as atendentes, sorria e brincava com elas. No fundo, ele não gostava muito delas. Ele não entendia o que uma dizia por causa de um sotaque que só podia ser de alguma parte do país que ele considerava ter pessoas ignorantes. Mas ele relevava esses detalhes irritantes e sorria para tudo.

No caminho encontrou um velho amigo da escola. Não era bem um amigo, era mais um conhecido que ele aturava, sempre a falar feliz de seus animaizinhos e do abrigo que ele tinha. Eram lindos sim, e o amigo sempre perguntava se o Sr. Cogumelo não queria um. Ele até pensava em adotar um, mas tinha medo que o bicho lambesse o rosto dele e tirasse a maquiagem. O amigo também pedia para divulgar o abrigo e talvez assim conseguir alguma ajuda financeira. O Sr. Cogumelo sempre dizia que comentava com todos, mas não o fazia. Talvez uma ou outra vez. Mas nem pensava em dar dinheiro para ele. Não tinha nada sobrando, com tantas compras em vista: um veículo, uma viagem, um videogame, uma TV, um celular... E ele já tinha comentado uma vez no trabalho, em uma festa no final do ano retrasado. Era o suficiente.

Finalmente no trabalho, achou que teria um dia tranquilo. Seu trabalho era fácil, de escritório, sentar em uma mesa, sorrir para os colegas e conversar coisas inúteis o dia todo. E pagava até que bem. Claro que sempre tinha aquele menos afortunado, que tinha a má sorte de ter estudado mais para um cargo que mal pagava e o pior, não tinha contatos. O Sr. Cogumelo tinha contatos, obviamente. E o desafortunado conversava numa boa com o Sr. Cogumelo, parecendo não ter interesse. Mas o Sr. Cogumelo desconfiava. Poderia ser só um jogo, ele se fazer de coitado para conseguir uma indicação e até pegar o lugar do Sr. Cogumelo! Por isso ele não indicava ninguém. Até falava que indicava, mas não o fazia. E se perguntassem sobre a pessoa, se fazia de desentendido. A não ser que dessem presentes para ele. Ou apresentassem alguma cogumelo bonita. Aí a história era outra.


E o Sr. Cogumelo voltou para casa depois de mais um dia normal. A maquiagem segurou-se direitinho e mal precisou ser retocada. Ele tomou banho e foi enfrentar o espelho do banheiro. Parecia uma infecção por fungos. Seu rosto estava acinzentado e esverdeado, com falhas e furúnculos, como se apodrecesse. Algumas partes pareciam quase se descolar. Era muito feio. Ele até pensou em usar uma máscara, mas iam perguntar o porquê dela. Maquiagem era mais fácil. Passou cremes de rejuvenescimento, plantas aleatórias que os hippies diziam funcionar – e ele não acreditava, mas usava mesmo assim, e foi dormir. Logo chegaria outro dia para acordar cedo e se arrumar.



*As desventuras do Sr. Cogumelo é uma série composta de vários minicontos narrando pedaços da vida desse curioso ser que é o protagonista.*

28.8.12

O cão e a bola


O maldito cachorro voltou de novo com a bola na boca. Colocou-a no chão, alegre por tê-la pego, ficou balançando a cauda de um lado para o outro, arfando com a língua para fora e prestando atenção nos movimentos do velho, esperando que a bola fosse novamente jogada ou, talvez, um afago. Mas ele não iria receber.

O velho ranzinza não sabia o que fazer para se livrar do cachorro. Começara há alguns dias: uma bola, jogada pelo que o velho supunha ser alguma criança próxima a ele. O velho não devolveu a bola, e ninguém foi até ele rocurar. Irritado com a presença colorida do objeto, resolveu pegá-la e jogar para longe. Infelizmente para o velho, um cachorro sem dono passava por ali e, animado achando que alguém queria brincar com ele, saiu correndo atrás da bola. Pouco tempo depois retornou com a bola na boca e a colocou aos pés do velho, olhando-o com a expressão de felicidade que os cachorros normalmente têm.

O velho torceu a boca para baixo em claro sinal de descontentamento. Não queria o cachorro perto de si, então jogou a bola o mais longe que conseguiu. Poucos minutos depois o cão voltou, mais alegre ainda e até saltitante.

Então o velho teve uma ótima ideia: jogar a bola e ir para outro lugar para o cão não encontrá-lo. Mas o velho subestimou o animal, que o encontrou com facilidade. Por um bom tempo o velho tentou de tudo, jogou a bola várias vezes, até em um lago, em lugares difíceis, mas o cão sempre voltava.

Por vezes o cão tentava demonstrar carinho para o velho: tentava chegar perto, encostar a cabeça no colo dele. O velho rejeitava todas essas tentativas, se afastando, tentando espantar o cão com os braços, ou até fingindo que iria bater nele. O velho só queria ficar sozinho, por seus próprios motivos, e continuar ranzinza. A alegria daquele cachorro e a companhia dele o atrapalhavam.

Um dia o velho jogou a bola e o cão foi atrás, mas não tão animado. Até demorou para caminhar à procura do objeto, detendo-se um tempo observando o rosto do velho. Minutos se passaram e o cão não voltou. O velho achou estranho, mas sabia que em breve seria novamente perturbado. Uma hora se passou e nada.

Achando estranho, o velho, mesmo contra a vontade, e mais por curiosidade, foi atrás do cão. Procurou na direção em que jogou a bola, mas não o encontrou. A bola estava por ali, no meio da grama. O velho a pegou e olhou ao redor, mas não havia nada ali. Andou lentamente de volta para onde estava, mas algo deteu sua visão: o cão agora brincava com outra criança, que ria alegremente e corria atrás do animal. O velho apertou a bola porum instante, pensando em largá-la, mas seguiu em frente com a memória na mão.

7.8.12

Stalker


O empresário estava em seu escritório, cuidando dos próprios negócios, quando recebeu um email estranho:

“Ipad bacana o que o senhor comprou.”

Não havia mais nada escrito. O endereço de email eram letras e números aleatórios que deixavam claro que era falso. O empresário ficou pouco preocupado: nesses dias todos compravam aparelhos eletrônicos, e o email podia ter sido entregue errado.

Assim ele achava, até que mais emails chegaram, cada vez mais íntimos.

“Foi almoçar com os amigos do trabalho no restaurante X? O peixe de lá é delicioso.”

“Eu também gosto muito de Brotas, mas ainda não conheci a pousada na qual você ficou, a Lua Azul.”

“Adoraria presentear meus filhos com um x-box e kinect como você fez.”

Até que um dia os emails chegaram ao cúmulo da perseguição.

“Sr. Silva
Tenho tentado te contatar, mas você me ignora. Por quê? Acha que devo tentar ser mais pessoal? Posso me tornar amigo de suas filhas, esperando-as saírem da escola ABC às 13h como fazem sempre, ou esperar sua esposa no trabalho dela, ou mesmo te visitar em sua casa.
O que prefere Sr. Silva?”

O empresário estava apavorado. Estava sendo perseguido, tendo todos os detalhes da vida e da família vigiados. Respondeu que o deixasse em paz ou chamaria a polícia, e recebeu a resposta:

“Eu saberei quando o fizer. Mas você saberá quando suas filhas sumirem?”

O empresário entrou em pânico. Perguntou o que o perseguidor queria, mas já sabia; dinheiro. Muito dinheiro. O empresário pediu tempo para considerar, mas a cada dia que passava ficava mais paranoico. Cada email que recebia era uma tortura. Logo, mal saía, deixava de encontrar com os amigos, mas não adiantou. Ainda recebia informações acuradas sobre sua família. Contratou seguranças, mas sem sucesso. Pensou em ceder à chantagem, mas teria que pagar eternamente. Queria fugir, pedir ajuda, mas não confiava em ninguém. Começou a imaginar sombras o perseguindo.

Começou a ver um psicólogo e pediu transferência de cidade. Não aguentava mais. Vigiava as filhas, a esposa, mas queria tranquilidade.

Mudou de cidade, mas antes tirou férias prolongadas com a família em outro país, sem avisar ninguém, e proibiu o contato com qualquer outra pessoa e mesmo telefonemas e internet. Os emails, até então incessantes, subitamente pararam.

Enquanto isso, na cidade anterior, um rapaz adolescente suspirava. O empresário que tentava extorquir tinha desaparecido. As atualizações do facebook, foursquare e twitter tinham parado, ninguém da família postava mais nada, nem fotos, nem curtiam nada, nem respondiam aos amigos. Entrou em outro grupo de empresários de certa empresa da cidade, e procurou alguém com perfil aberto. Teria que começar tudo de novo...

31.7.12

Guarda-chuva

Ela chegou tropeçando e ofegante. Dobrou-se e colocou as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego e lentamente levantou a cabeça. O sol brilhava intensamente e o céu era de um profundo azul. Sorriu satisfeita e aliviada, abriu e fechou o guarda-chuva para livrar-se das últimas gotas e sentou um pouco em uma pedra para descansar.

Olhou ao redor: estava em uma área muito seca. O chão era terra, pedras e poeira, não havia árvores, mas estava sol. Logo esquentaria demais e ela teria que se mover. O guarda-chuva protegia um pouco dos raios, mas ficar parada não adiantaria. Pegou a luneta para observar o caminho à frente: parecia haver mais árvores, mas também havia nuvens. De novo. Ela nem se atreveu a olhar para trás. Sabia o que havia lá e não voltaria. Descansou um pouco e logo se colocou em pé.

Ela chegou perto de árvores e lagos e pode suprir-se. O que tinha levado consigo no início já havia acabado, já que ela achava que depois desse tempo ela já teria chegado em seu objetivo. O silêncio e a falta de companhia pesavam sobre ela, mas não quis esperar anos para fazer a jornada. Tinha medo de mudar de objetivo, ou pior, de desistir.

Continuou a andar, sempre em frente. O clima foi esfriando, o chão fofo das árvores endurecendo. As poucas frutas que eram encontradas ou estavam caídas ou fora do alcance. Ela subiu em árvores e pegou quantas frutas pode, mas elas eram cada vez mais raras, e o esforço deixava-a com mais fome. Viu uma última fruta e tentou pegá-la, mas estava longe. Subiu na árvore, esticou-se, arriscou-se em cima do galho fino, mas ainda não alcançou. Então usou a ponta do guarda-chuva para empurrar levemente a fruta, que se desprendeu e caiu no chão, finalmente acessível. 

Ela continuou a andar e logo a chuva começou a cair. Gotas grossas enregelavam a pele e o vento forte dificultava o andar. O casaco não era suficiente para aquecer e não havia abrigo nem nenhuma caverna próxima. Mas o mais estranho é que a chuva machucava, não só pela imensa quantidade e força, ou pelo granizo que a acompanhou, mas havia um tipo diferente de ferocidade nela, que muito lembrava a raiva humana.

Usou o guarda-chuva para bater em uma árvore oca. Não era um abrigo perfeito, mas era o suficiente. Ela sentou na lama, tremendo de frio dentro da árvore e tapou a frente com o guarda-chuva. Dormiu pouco e mal, com todo o barulho, mas quando o dia despontou, mesmo estando escuro, ela levantou-se e continuou.

A chuva havia sido somente um prelúdio: pequenos flocos de neve espiralavam no ar e caíam, cobrindo a floresta de branco. Ela, um pouco mais acostumada ao frio, continuou. Em pouco tempo, o mundo era todo branco. Podia comer pinhas, mas não eram suficientes. Encontrou um lago recém-congelado e pensou que poderiam existir peixes ali, já que o gelo ainda era fino. 

Ela não podia subir no gelo ou ele quebraria e ela afundaria, e não estava protegida o suficiente para tentar quebrar com as mãos. Recorreu novamente ao guarda-chuva, batendo algumas vezes na superfície do lago, que logo cedeu. E ela se manteve por mais uns dias.

Olhou a luneta, mas só viu branco e continuou a andar para frente, de qualquer jeito. O frio e a neve continuavam, fazendo-a tremer até os ossos, congelando seus cílios e rachando toda a pele. Mesmo estando mais acostumada ao frio e praticamente com membros insensíveis, ela continuava andando, sem conseguir se aquecer, tropeçando no que ela não via e invariavelmente machucando-se. Em determinado momento, ela torceu o pé em uma raiz encoberta e, mancando, usou o guarda-chuva como bengala.

Ela conseguiu deixar a neve lentamente para trás, mas estava exausta, mesmo conseguindo um pouco de comida. Mas não achava água. Praticamente não andava, mas se arrastava, e o local que adentrou começava a ficar quente e seco, com o Sol sempre à vista para castigá-la. Um dia não aguentou e caiu no chão, sem forças, e dormiu.

Acordou, não sabendo quanto tempo havia passado, com gotas de chuva. Diferente da tempestade que enfrentou, era uma chuva suave, apesar da quantidade, que tornou o tempo mais agradável. Havia uma brisa no ar que não machucava, parecendo até mesmo sussurrar incentivos. Eram poucos e quase inaudíveis, mas estavam lá. Isso a animou a continuar.

Abriu o guarda-chuva ao contrário para conseguir juntar água para beber, pois aquela chuva lhe fazia bem, independente de onde viesse. E ela bebeu. Demorou alguns dias, mas ela conseguiu voltar a se colocar em pé. Chegou a outra floresta, mais agradável, e dessa vez planejou. Colheu, guardou sementes e comida, achou um lago e encheu o cantil com água. O caminho pareceu mais fácil depois disso, ela até conseguia aproveitar o canto dos pássaros, a beleza das flores.

Mesmo sendo um belo lugar, não era o objetivo, e ela precisava continuar. Pegou a luneta e viu, para grande alívio, que não estava muito longe. Precisava atravessar mais um campo hostil, com um céu repleto de nuvens negras e raios. Mas ela não se preocupou. Ela tinha um guarda-chuva.


27.7.12

Reportagem especial - Nerds

Reportagem especial sobre a tribo nerd/geek para a revista fictícia Babel, realizada para a disciplina de Editoração na PUC-Campinas.


 













Jornalismo impresso: Compulsão por Compras

Rebecca Bloomwood é uma jornalista financeira e oneomaníaca. Na verdade, ela não entende nada de economia, vive fugindo do gerente do banco, onde deve cerca de 9, 700 libras (algo em torno de 33 mil reais) e inventa planos mirabolantes para pagar seu cartão de crédito. Imagina-se ganhando na loteria, casando com um multimilionário e até devaneia que alguém pague sua conta por engano. Porém, enquanto as cobranças aumentam, deixando-a triste e frustrada, ela desconta suas emoções...comprando.

Apesar de Rebecca ser uma personagem de ficção, sua situação é muito real. Há uma estimativa de que 2% a 8% da população mundial sofra de consumo compulsivo, ou oneomania, e deste percentual, 80% são mulheres. Apesar de não se saber precisamente porque a oneomania é mais comum entra as mulheres, há suposições. “A mulher vive em uma sociedade que exige muito. Ela tem que corresponder como dona de casa, como ótima funcionária, a mídia exige que ela seja bonita, que tenha um padrão de beleza, que é muito mais rigoroso que o masculino e ainda tem os fatores hormonais, que a desequilibram uma vez por mês. Tudo isso eleva os níveis de ansiedade e depressão” diz o psicólogo Leonardo Bastos.

Assim como o álcool e outras drogas, o ato de comprar dá uma sensação prazerosa, e pode viciar. Os compradores compulsivos adquirem produtos que não precisam e que muitas vezes não utilizam, simplesmente para comprar. “Tenho necessidade de todo sábado comprar uma peça de roupa, ou alguma bolsa, alguma coisa, senão, meu fim de semana não é bom” diz a auxiliar de escritório Thalita Peres. “Tudo pra mim é motivo de compra. Compro muito livros, CDs, perfumes, batons, calçados, bolsas, chocolates, presentes, eu compro o que eu acho bonito, não compro pra me exibir” diz a professora de Jornalismo da PUC Campinas, Cecília Toledo. Já a professora de Matemática, Bárbara Tonhela, admite que “compra para ter aquela sensação de ter” e que tudo o vê, quer. Rebecca vai além e descreve a sensação que tem após a compra: “é como se você estivesse com fome por dias e finalmente comesse”.

Nossas Rebeccas não compram para se exibir, mas há aquelas que compram para fingir que pertencem a algo, por status. Para essas pessoas, adquirir determinado produto as elevará a posição de prestígio daquelas que fazem a propaganda, que são celebridades bem-sucedidas. Chegam até a inverter valores: o importante é ter, e não ser, reflexo da atual sociedade que valoriza a aparência. Outras compram para participar de um determinado grupo: ter aquele brinquedo do desenho da moda, o celular mais avançado, a roupa mais fashion.

Os motivos e o estado de espírito do comprador variam, mas em sua maioria, segue a fórmula “ansiedade + frustração”. Bastos afirma que “quando uma pessoa está ansiosa e não consegue se controlar, ela procura um meio de descarregá-la, convertendo a ansiedade em um ato, como a compra. A pessoa sente prazer enquanto está comprando, mas depois, se sente frustrada por perceber que não conseguiu satisfazer o prazer que tinha expectativa de ter, gerando nova ansiedade, o que leva à um ciclo vicioso”.

E esse ciclo pode custar caro. Para sustentar o vício, muitos começam a fazer empréstimos, pedem mais cartões, arranjam outro emprego, e se não conseguem pagar as dívidas, podem perder seus bens, como casas e carros, ou até o emprego. Mas demoram pra admitir que há um problema. Apesar de nunca ter passado pelas situações acima descritas, Cecília afirma: “quando contei 300 bolsas, percebi que tinha uma coisa errada.”

Quando um compulsivo admite que tem um problema, tende a começar a se policiar,e com isso, consegue diminuir e até acabar com a compulsão. Porém, para os casos mais difíceis, a psicoterapia é indicada. “Não há muita diferença do tratamento que é dado para o alcoolista, se trabalha com uma entrevista motivacional, dentro dessa entrevista há os passos para a pessoa perceber o que está acontecendo, ajudá-la a ter referencial, para ela saber como está funcionando, pra depois entrar na mudança de comportamento, que deve partir dela” diz Bastos. Em casos mais graves, medicamentos anti-depressivos são indicados.

Há também um grupo de auto-ajuda, chamado Devedores Anônimos. O nome, que remete aos Alcoólicos Anônimos, não é coincidência. O grupo tem os mesmos moldes, onde um pequeno grupo se reúne e conta seus problemas, sendo auxiliado pelos outros, e é organizado pelos próprios participantes. O grupo foi formado originalmente nos Estados Unidos, em 1968, e chegou ao Brasil em 1997, com reuniões em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Paraná.

As Rebeccas encontraram um jeito de controlar os gastos: montam planilhas. “Planilha de gastos no Excel, eu e minha família toda temos. A gente tem que manter o controle” diz Bárbara. “Agora eu faço (planilhas) porque tenho que pagar a faculdade, mas antes, o que eu ganhava eu gastava” afirma Thalita.

Uma planilha para controlar os gastos é um começo para aqueles que desejam gastar menos e acompanhar sua situação financeira, para evitar surpresas no fim do mês. Porém, comprar tomando cuidado com os excessos, faz bem para o humor e para a economia. Às compras!

Crítica cinematográfica: Toy Story 3


O fim de uma era
Último filme da trilogia Toy Story dá adeus à infância

Despedidas são sempre tristes, mas significam que uma nova jornada deve começar. E é assim que se inicia Toy Story 3, mais nova animação da Pixar. Os brinquedos que conquistaram uma geração de crianças há 15 anos dão adeus aos espectadores e ao antigo dono, que agora vai para a faculdade. Apesar de conformados e ter esperança de serem relegados ao sótão, destino desejado, e temem serem despejados no lixo, como muitos antes deles.

Por um equívoco, todos os brinquedos, menos Woody, o claro favorito de Andy, são destinados ao sótão, mas vão para uma creche, a Sunnyside.  Woody, testemunha do engano, começa então a missão de trazer seus amigos de volta, mas se depara com uma difícil barreira: talvez eles não queiram voltar.

A linha de ação do filme não difere muito dos dois primeiros, contando sempre que os brinquedos de alguma forma se perdem de casa e sua jornada de volta, mas cada um com sua temática.

Em 1995 a então desconhecida empresa de animação gráfica Pixar lançou seu primeiro filme: Toy Story, considerado o primeiro longa feito completamente por computação gráfica. O filme contava a história de brinquedos que tomavam vida quando deixados sozinhos e que tinham que aprender a conviver com um novo brinquedo, presenteado ao dono no aniversário. O caubói Woody fica enciumado com a presença de Buzz Lightyear e faz de tudo para que este vá embora, e os dois acabam se perdendo, para depois tentar voltar para a casa. A sequência, Toy Story 2, foi lançada em 1999, e conta como os brinquedos resgatam Woody de um ladrão que pretende vendê-lo para um museu. 

Assim como em todos os filmes da Pixar, como Procurando Nemo, Wall-E e UP, Toy Story conta com uma primorosa e irretocável animação, que visivelmente foi pensada e repensada milhares de vezes antes de chegar a um resultado final que agradasse ao exigente público, que parece ter aceitado bem o filme, que estreou semana passada e já soma U$ 108 milhões nos Estados Unidos, em apenas três dias. É a melhor abertura da Pixar e esse número só deve crescer.

Outro fato que deve ser mencionado é o “aperitivo”, o curta de animação que é mostrado antes do filme. O curta chama “Dia e noite”, e não se preocupa tanto com a forma, mas com a qualidade e a mensagem, mostrando a diferença do dia e da noite de uma forma diferente e simplesmente bela.

Toy Story 3 se passa dez anos após o último longa, praticamente o mesmo tempo que ficou longe da telona. No começo do último longa, há a sensação de nostalgia no ar que permeia por todo o filme: a imaginação de Andy toma conta da tela e reapresenta os bonecos, mostrando todo o carinho devotado aos brinquedos. No presente, os bonecos estão em um baú, e arquitetam um plano para o dono dar-lhes atenção: roubam um objeto que ele precisa e o escondem com eles, e ficam felizes simplesmente por serem tocados.

Passado isso, começa a ação e a comédia, sempre em momentos oportunos e que quebram a tensão do filme. Sim, um filme infantil é capaz de ter tensão e períodos em que o espectador se identifica com os bonecos e teme por eles, talvez por tratar de um tema universal: a rejeição, o desejo de ser querido e a necessidade de amigos.

As cores mostram bem a diferença do passado e do presente: no passado são alegres e fortes, no presente continuam fortes, mas mais opacas, sem vida. Essa diferença é perceptível quando os brinquedos estão na creche Sunnyside e descobrem que ela não é tão alegre quanto deveria. As imagens que antes eram vistas de baixo para cima, mostrando quão grandioso o lugar parecia e quão brilhante era são rapidamente trocadas por imagens quase claustrofóbicas, focando no terror que os brinquedos passam quando descobrem que serão utilizados por crianças muito pequenas – aquelas que destroem, batem e pintam os bonecos. As imagens confusas e fechadas tornam o caos bem real para o público.

No momento que os brinquedos descobrem o plano do urso chefe da creche, que antes os recepcionara tão bem e prometera uma melhora na vida pós-rejeição, circundada por cheiro de morango. As cores ficam escuras e sombrias, o plano de câmera muda e mostra uma ameaça presente e constante, principalmente na fuga. 

A trilha sonora acompanha todas essa mudanças, passando uma música temática de amizade no começo e tornando mais sombria a ameaça presente, mas de forma sutil e quase imperceptível ao público

O arco da história não se baseia somente na volta para casa, assim como nos outros filmes, os obstáculos são contínuos e fazem com que os personagens tenham que pensar em soluções rápidas e trabalhar em conjunto, mesmo que alguns membros tenham súbita amnésia e falem outra língua.

O tema principal é a superação de obstáculos e o começo de uma nova fase, aqui exemplificado como o adeus a infância. Como todos já passaram ou vão passar por isso, é impossível não se identificar com os brinquedos, ou de se emocionar com as despedidas. Não parece que os brinquedos estão sendo deixados somente pelo antigo dono, mas também por todas as crianças que acompanharam os filmes e cresceram com eles. Mas, tanto para os brinquedos quanto para o público, o adeus pode significar um novo começo.