13.7.11

A falta que a falta faz

             O despertador tocou novamente. Não sabia por que ele ainda tocava se não dormia há dias. O telefone com seus infinitos recados já cessara, o relógio podia seguir o exemplo, apesar de não me mexer para para-lo - não queria sair do meu conforto frio e cinzento.

            Voltei a afogar-me em meus sonhos, ao lado daquele pedaço de cheiro que havia sobrado. Por que a realidade não é como o plano onírico, onde podemos nos transportar para onde queremos? O sol brilhando suavemente sobre o barco, que velejava calmamente naquela maré salgada, que eu não podia mais sentir escorrendo do meu rosto ao travesseiro. Meu mar secara.

            Abri os olhos. O sol tentava entrar pelas frestas da cortina, tentando trazer cor ao meu cinza, mas eu não queria desistir dele ainda. Acostumara-me a ele, já até começava a gostar de sua presença. Então me levantei e fechei a cortina da melhor maneira possível para deixar a luz lá fora. No escuro eu me encontrava, enxergava melhor. Olhei para aquele quarto cheio de vazio: era calmo e pacífico. As flores estavam secas em seus vasos, mas eram magníficas e ainda exalavam um leve odor que tentava camuflar o almíscar daquela blusa.

            Não sabia se devia jogá-la fora. Sentir aquele cheiro era ao mesmo tempo delicioso e doloroso. Lembrava-me momentos felizes do passado e que eu não mais possuía. A dor, apesar de machucar, faz a realidade mais vívida. Queria me embebedar com aquele aroma, fazer tomar conta de mim, mas não era possível, então resolvi beber algo.

            Recomecei a andar por minha casa. A única presença humana era a minha, e tomava todo o ambiente. Nunca havia reparado que a solidão era tão boa companhia. Aos poucos poderia colocar meus pensamentos em ordem, meditar sobre assuntos importantes, e não supérfluos, que são comuns quando engatamos uma conversa com outros. Era reconfortante. 

Aos poucos reparei nas diferentes tonalidades de cinza da sala. A pouca luz que entrava mostrava a dança do pó cinza claro pelo ar. Também refletia nas taças de cristal, que ficavam prateadas. O sofá, escuro e macio clamava meu nome e não neguei o convite. Fiquei por um tempo com  os olhos fechados, sentindo a atmosfera leve e sufocante ao meu redor.

            Abri a melhor garrafa de vinho que possuía. Não que aquilo fosse suprir o vazio que sentia, mas o deixaria mais saboroso. De fato, esse sentimento começara quando aquele apartamento ficou vazio, mas agora a sensação era outra. Enquanto em meu inicial desespero tentara de tudo para preencher aquele espaço, agora me sentia confortável sabendo que algo faltava. Ri de minhas infelizes tentativas de recuperar o que foi perdido. O quanto implorei, chorei e gastei para ter o que virara uma obsessão de volta.

            O sentimento de plenitude que eu achava sentir anteriormente foi descoberto falso. O meu estado de felicidade se dissipara facilmente, depois de tanta luta para ser obtido. A alegria é efêmera. Mas o meu vazio podia ser eterno. Eu poderia cultivá-lo e aprender a lidar com ele. Mesmo que outra companhia preenchesse o espaço, ainda haveria um lugar para o vazio. Eu gostava dele, me identificava com ele. Saboreei meu vinho enquanto tomava essa decisão. Ele nunca fora tão doce.

            A campainha tocou, me tirando do transe. Não acreditava que alguém ainda viria me visitar depois de tanto ignorar o telefone, e pior, importunando meu momento com minha solidão. 

Fui até a porta e a abri, e lá estava você. Pegou em minhas mãos e disse o quanto se arrependia de me deixar, que tivera tempo de pensar e viu o erro que cometeu e que queria dar outra chance a nosso relacionamento. Aquilo me chocou. Meu vazio parecia querer deixar-me, começar a reparar o buraco feito. Queria eu sentir um pouco o calor e deixar o cinza? Deixar de sentir minha recentemente descoberta doce solidão? Aceitar sua oferta de falsa felicidade enquanto ela durasse? Não. Eu queria continuar amando a minha tristeza.

Por que você voltou?

 (texto produzido para aula de Escrita, Criatividade e Literatura, em 2010)

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